O regime anunciou a vitória do seu candidato, mas a oposição veio para a rua protestar. Apesar da violência policial e do controlo dos meios de comunicação, os moçambicanos querem viver sem medo .
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Merecerá ser um caso de estudo a circunstância de um partido que diz ter vencido eleições com mais de 70% dos votos não ter sido capaz de mobilizar um único militante ou bandeira para celebrar a vitória nas ruas de Maputo. Mas foi exatamente isso que aconteceu com a Frelimo em Moçambique. O imobilismo do vencedor contrasta com a capacidade mobilizadora do candidato derrotado, que reclama vitória nas eleições para a presidência da República, parlamento e assembleias provinciais.
Logo após a Comissão Nacional de Eleições ter anunciado a vitória do partido no Poder e de Daniel Chapo, o seu candidato presidencial, o derrotado, Venâncio
Mondlane, apelou à revolta popular. O homem que reclama vitória tem tido sucesso. A esmagadora maioria dos moçambicanos – incluindo o funcionalismo público – respondeu positivamente aos dois períodos de greve geral turbinados por Mondlane e o país praticamente parou desde o dia 24 de outubro.
Só que o musculado regime de Maputo não tolera desvios à linha oficial e soltou a polícia nas ruas para reprimir a revolta popular. Antes já tinha disparado sem pudor granadas de gás lacrimogéneo contra Mondlane e jornalistas durante uma entrevista coletiva após a morte a tiro de dois membros da equipa do candidato apoiado pelo partido Podemos. Depois deste episódio, Venâncio Mondlane foi obrigado a abandonar o país por ameaça à integridade física e prometia voltar na passada quinta-feira para encabeçar a prometida marcha sobre Maputo. Mas as ameaças do regime não visam apenas o homem que desafia o poder da Frelimo através das ‘lives’ messiânicas que conduz diariamente no Facebook com índices de audiência invejáveis.
Campanha controlada
Agora, mais do que nunca, são os jornalistas que estão debaixo de fogo. Tanto dos meios de comunicação controlados pelo Estado como privados: “Antes reclamávamos muito nos meios públicos, mas se formos analisar como é que foi a campanha eleitoral, fica evidente que houve um claro silenciamento e captura das televisões privadas, o que antes não tínhamos assistido”, disse à ‘Domingo’ Ernesto Nhanale. Para o diretor-executivo do MISA, organização que promove a liberdade de expressão na África Austral, Moçambique vive um ambiente “de censura, de captura e de manipulação da informação”. E, acrescenta Nhanale, “vimos assistindo também à tendência das autoridades a fazerem violações, mesmo materiais”.
Os tentáculos do Estado não fazem refém apenas a imprensa por ele tutelada. “Estes são órgãos claramente partidarizados, mas depois há uma outra imprensa privada, cujos proprietários são membros do partido Frelimo, e das suas várias alas, que utilizam a comunicação social como veículo de pressão política e de luta partidária e de lavagem de roupa suja dentro do próprio partido, nas suas competições, entre si pelo acesso ao Estado”, acusa o sociólogo João Feijó.
Ernesto Nhanale afina pelo mesmo diapasão: “Há um condicionalismo forte do exercício do jornalismo. A nossa imprensa depende muito da publicidade. Praticamente, da distribuição e venda, isto não traz nenhum retorno.” “Como sabe”, acrescenta Nhanale, “os negócios, as empresas são de forma predominante controlados pelo partido Frelimo e há uma forte dependência do capital que vende a publicidade e do financiamento”.
Profissão vulnerável
Para João Feijó, académico e observador atento da política moçambicana, esta “fragilidade da comunicação social independente, digamos assim, aqui, abre também muito mais o caminho, que já de si tem o caminho aberto, às redes sociais, à dispersão de notícias falsas e de manipulação”. O sociólogo admite que “ainda há alguns espaços para um jornalismo mais independente, que consegue manter-se um pouco equidistante destes interesses políticos, não obstante também serem utilizados, quando dá jeito”.
A mão pesada do Estado e a precariedade da profissão ajudam à fragilidade do exercício do jornalismo, especialmente em tempos de crise como os que Moçambique vive. “Os jornalistas aqui são muito mal pagos e tornam-se facilmente corrompíveis. Há muita gente desonesta dentro da comunicação social, que aproveita o facto de ser o quarto poder para intimidar, sobretudo empresários e pessoas com dinheiro, e depois serem subornados”, nota Feijó.
Apesar dos dias sombrios, Feijó lembra que “a imprensa em Moçambique, não obstante estes problemas todos, é uma imprensa onde há nichos de indivíduos seguidores de mestres do jornalismo, que os identificam como gurus, como grandes repórteres, como, por exemplo, Carlos Cardoso, que é uma figura consensual que todos os jornalistas admiram”. O sociólogo cita Carlos Cardoso – jornalista assassinado quando investigava um caso de alegada corrupção na banca – para lembrar que “é proibido pôr algemas nas palavras, no ofício da verdade é proibido pôr algemas nas palavras, o que é preciso é viver sem medo”.
Clemente Carlos, pivô e repórter da privada TV Sucesso e um dos mais jovens e influentes jornalistas de Moçambique, em entrevista à 'Domingo', garantiu ser “difícil falar sem nenhuma perseguição”
Há liberdade de Imprensa em Moçambique?
Infelizmente não e isso torna-se mais evidente quando chegamos a momentos importantes na nossa política, como as eleições. É aí que percebemos que há uma grande dificuldade em permitir que os media venham a trabalhar de forma livre e isenta de quaisquer influências.
A ligação dos patrões dos media ao poder não é a única explicação...
Se não pertencerem às pessoas no poder, então são sócias, e se não forem sócias, então têm algum interesse de família ou mesmo empresarial. Isto não é específico para o órgão para o qual trabalho [TV Sucesso], ou para outro órgão de comunicação. É uma questão geral do país. É difícil falar em Moçambique sem nenhuma espécie de perseguição, quando esta comunicação, de alguma forma, vai expor aquilo que é o pensamento, o olhar das coisas da parte de quem nos governa. Digo isso com muita tristeza, porque até mesmo ao nível das redes sociais, se aparece um jovem, um influenciador digital, a tornar-se viral, e começa a fazer abordagens políticas, quando esta abordagem começa a incomodar certas pessoas, ele mesmo também é perseguido.
É aí que entram as redes sociais…
Eu tenho uma rede social, o Facebook, onde conto um total de 121 mil seguidores. Estou a cerca de 5 mil seguidores de diferença do Presidente da República. Então, aquilo que eu falo tem uma abrangência muito grande. Por dia consigo angariar mais de mil novos seguidores. Isto preocupa também o Governo porque é justamente na minha rede social em que eu fico mais à vontade para falar aquilo que eu penso, para fazer a crítica daquilo que eu acho que não anda bem no país.
Esta circunstância torna-o ainda mais um alvo do poder?
Isto incomoda quem está no poder, porque, obviamente, onde eu trabalho, na televisão de que faço parte, não posso falar destas coisas que são o meu pensamento. Aqui obedeço a uma linha editorial, que, obviamente, está isenta de qualquer influência política. Entretanto, também não vou negar que, em momentos como este, sentimos uma pressão para que não fiquemos tão à vontade assim…
Já foi explicitamente ameaçado?
Infelizmente sim. Eu sou uma das vítimas das ameaças atuais. Algumas pessoas com alguma importância a nível da Frelimo [o partido no poder em Moçambique] sentem-se incomodadas com aquilo que eu digo na minha rede social. Por exemplo, agora nestas manifestações, eu fui uma das pessoas que, de alguma forma, convidou as pessoas para vir à rua, devido à morte do meu amigo,o advogado Elvino Dias, e também do Paulo Guambi [membros da equipa do candidato Venâncio Mondlane]. Não foi uma convocação do ponto de vista político, porque eu não tenho partido político, mas eu convoquei as pessoas para aderirem e poderem chorar a morte destes dois grandes homens.
Porque é que o poder se sente tão incomodado?
Nós limitamo-nos a reportar o que está a acontecer. Esta forma frontal de falar está a incomodar certas pessoas que também vão fazendo ligações para os nossos familiares, a nossa família, exercendo uma pressão para que nós possamos voltar atrás.
De que forma se materializam as ameaças à sua família?
É como se fosse uma chantagem chegar a casa, ouvir a esposa ou a filha chorar com medo. Porque alguém esteve a ligar, o dia inteiro, a pedir que tivesse cautela.
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